domingo, 29 de junho de 2008

PRIMEIRO SEMINÁRIO GVIVE DE EDUCAÇÃO - WWW.GVive.org.br

http://www.gvive.org.br/ Primeiro Seminario Gvive de Educação 23 e 24 de outubro de 2007 Imagine uma escola na qual as decisões são tomadas por professores, funcionários e alunos em conjunto. Uma escola que pensa o ato de ensinar sintonizado com o bairro, o município, a região onde se localiza. Que coloca permanentemente a questão: o que faz o homem para melhorar seu habitat? Essa escola existiu nos anos 60 e foi resgatada no I Seminário de Educação, organizado pela GVive – Associação de Ex-alunos, Ex-colaboradores e Professores do Serviço de Ensino Vocacional, realizado no auditório do Itaú Cultural, em São Paulo, nos dias 23 e 24 de outubro. Quem vivenciou a experiência dos Ginásios Vocacionais, tanto estudantes quanto educadores, estão de acordo que seu grande propósito foi apresentar um projeto pedagógico integrado, vivido e reavaliado no cotidiano.Os Ginásios Vocacionais, surgidos na década de 60, foram instituições de ensino comunitárias instaladas a partir de análises de características culturais e socioeconômicas das localidades onde eram criadas. Buscavam a apreensão integrada do conhecimento, a valorização do trabalho em grupo, o desenvolvimento de condições de maturidade intelectual e social, o exercício consciente do trabalho, as definições de opções de estudo e ocupações, a disposição para atuação no próprio meio e a descoberta da responsabilidade social.A proposta pedagógica apresentada era revolucionária. Lançava mão de estratégias de integração curricular, como estudos do meio, projetos de intervenção na comunidade e planejamento dos conteúdos pedagógicos, através da pesquisa junto à comunidade para favorecer o trabalho coletivo. As unidades eram coordenadas pelo Serviço de Ensino Vocacional (SEV), criado pelo Decreto estadual nº 38.643, artigo 302, em 27 de junho de 1961.O texto do Decreto, elaborado por uma comissão de educadores do ensino secundário e do ensino industrial, apresentava um projeto de estudo para o surgimento de uma escola que viesse ao encontro das reivindicações de uma sociedade mais democrática. Nessa comissão estavam os professores Osvaldo de Barros Santos, Técnico de Educação do Departamento de Ensino Profissional, Luís Contier, diretor do Colégio Alberto Conte, da cidade de São Paulo e Maria Nilde Mascellani, do Instituto de Educação de Socorro. Até 1968, seis unidades dos Ginásios Vocacionais foram instaladas no Estado. Em São Paulo (1962), na zona industrializada de Americana (1962), na zona agrícola de Batatais (1962), no centro ferroviário de Rio Claro (1963), na zona agropecuária de Barretos (1963) e em São Caetano do Sul (1968). Em dezembro de 1969, o governo militar extinguiu os Vocacionais, ocupando as escolas e prendendo pais, professores e alunos.Quase quarenta anos depois, o que a experiência pedagógica do SEV representa para os rumos da atual educação brasileira? Formação do Educador Já na capacitação dos professores, o Vocacional apresentava sua inovação em relação ao modelo tradicional de ensino público. Segundo Moacyr da Silva, que foi coordenador da unidade de Americana, isso era visto no processo de aperfeiçoamento permanente do educador. “Havia uma formação continuada centrada na escola. Os professores eram bem formados nas especialidades que abraçavam”. Além disso, existia uma preocupação com a integração interdisciplinar. “Nasce com o Vocacional a proposta de um projeto pedagógico integrado, vivido e reavaliado no cotidiano”, afirma Esméria Rovai, que foi coordenadora do serviço de audiovisual do SEV.Para a professora Esméria, a formação do professor em serviço representou uma inovação que capacitou o educador para encarar de outra forma a relação professor-aluno. “Não tinha isso de eu fechar a porta e ‘quem manda na sala sou eu’”. A preocupação se concentrava em descobrir o que o aluno deveria aprender, de acordo com a realidade em que vivia. “O Vocacional não chegava para o aluno e dizia: o que você quer aprender?”.Newton Balzan, professor dos Ginásios, destacou a atenção dada ao conhecimento sócio-econômico das regiões nas quais as escolas se inseriam. Para ele, as diretrizes traçadas levando em conta o meio em que o aluno vivia representaram a principal inovação do projeto. “O que me fez acreditar no Vocacional foi o planejamento. Antes de ir para Americana, eu já sabia quantas horas dormia um menino de lá”. Balzan acredita que esse trabalho fundamental deu certo pela vontade de pensar sobre as especificidades de cada grupo de estudantes e das demandas de suas comunidades. “Planejamento é uma atitude, um produto de reflexão”.Uma vez admitidos no SEV, os professores se encontravam em São Paulo, antes do início das aulas, para um ciclo de trabalhos sobre diretrizes pedagógicas e filosóficas, coordenado pela professora Maria Nilde. Inicialmente trabalhavam 36 horas por semana, carga horária estendida para 44 horas quando a legislação permitiu. Eram desenvolvidos durante o ano letivo, estágios nos quais equipes de orientadores pedagógicos acompanhavam os docentes. Para Moacyr da Silva, o trabalho em grupo significou a essência do projeto dos Vocacionais. “Não acreditávamos numa educação de qualidade se não houvesse trabalho coletivo”. Esse trabalho era realizado através de reuniões e palestras constantes entre os educadores, reforçando e ampliando as visões de ensino. “A escola não era só o lugar onde nós, educadores e orientadores ensinávamos, era também, onde aprendíamos”, pontua Moacyr. Proposta pedagógica sócio-antropológica “Que homem nós queremos formar?”. Para Olga Bechara, orientadora dos GVs, essa é a pergunta que fundamentou todo o processo pedagógico dos Ginásios Vocacionais. A partir dessa questão, professores e coordenadores entenderam que o coração do currículo deveria ser o homem, e os estudos sociais seriam o caminho para buscar esse homem. “Os estudos sociais eram os grandes impulsionadores das unidades pedagógicas”, reflete a professora Olga.Essa preocupação pode ser observada já no processo de seleção dos estudantes. As turmas formadas mantinham a mesma proporção entre as classes sociais de seu entorno. Os alunos eram escolhidos a partir de uma pesquisa, de origem social, dentro da comunidade a que cada unidade pertencia.Marta Kohl, professora da Universidade de São Paulo e ex-aluna do Vocacional, foi buscar nas idéias do psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky, paralelos com a proposta do SEV, a fim de explicitar a concepção diferenciada de ensino desenvolvida nos Ginásios. Ela parte do conceito de intencionalidade do ato educativo, afirmando que o desenvolvimento não acontece espontaneamente, devendo, sim, haver interferência no processo de aprendizagem. “Essa intervenção educativa estava presente desde o início do projeto”.Essa idéia é reforçada por Olga Bechara, que destaca o método de acompanhamento utilizado pelos docentes. “Não era espontaneísta. Havia uma linha, uma diretriz”. Isso se traduz, segundo os estudos de Marta, na elaboração de uma proposta com metas claras, numa pedagogia de síntese e no pensar voltado para um aluno historicamente integrado. Isso significa, para Esméria Rovai, um projeto fundamentado numa proposta sócio-antropológica. “O SEV está assentado em valores universais, em valores fundamentais do homem”, explica a professora.Outra formulação de Vygostky levantada por Marta é o papel do Vocacional como espaço de ruptura com o cotidiano. Para a pesquisadora, isso se verifica no trabalho iniciado no que está próximo do estudante, levando para o desconhecido; no que é concreto e chega ao abstrato. “O que o aluno traz é o ponto de partida, não de chegada, a escola age como ponto de ruptura”. Isso passa pela concepção de ensino como investigação, associado à pesquisa, integrando um vasto campo de disciplinas e aliando teoria e prática, proporcionando ao educando a oportunidade de extrapolar a experiência cotidiana para pensar no contexto histórico no qual está inserido.Dessa forma, Esméria explica que os Ginásios, a despeito do nome, se propunham a ser muito mais do que simplesmente escolas técnicas. “O Vocacional não foi uma escola técnica, não foi uma escola profissionalizante, foi uma proposta de iniciação científico-tecnológica”. Segunda a professora, a integração entre ciência e tecnologia aplicada ao ensino foi um dos pioneirismos do SEV.Na prática, isso era aplicado através de um ensino livre, feita a partir de estudos dirigidos, monografias e estudos do meio. Nesses processos, segundo Moacyr, além da iniciação científico-tecnológica, os Ginásios Vocacionais proporcionavam, tanto para os educadores quanto para os educandos, um melhor conhecimento de si mesmos. “Os alunos iam se conhecendo e os professores também iam se conhecendo”.Para a maior parte dos ex-alunos do Serviço Vocacional, os estudos do meio representam uma das mais marcantes experiências educativas pelas quais passaram. Eles se caracterizavam por uma pesquisa iniciada a partir do bairro da escola, passando a seguir para o estudo da cidade onde ela estava inserida e depois para o país e o continente, na proposta de caminhada do próximo para o desconhecido. Um desses estudos levou alunos da terceira série do Vocacional de Rio Claro (equivalente à sétima série atual), a realizarem uma viagem às cidades históricas de Minas Gerais.De acordo com Sandra Lunardi, professora da PUC-SP, que estudou o projeto do Ginásio Vocacional rio-clarense, os estudos do meio eram uma forma de professores e alunos se aprofundarem ao mesmo tempo em que se politizavam e aprendiam numa proposta multidisciplinar. A comissão organizadora da viagem, por exemplo, contava com a presença dos estudantes, que decidiam sobre a alimentação do grupo e gerenciavam as finanças, desenvolvendo-se numa perspectiva pluri-curricular. “Eu nunca vi uma pedagogia atender tão completamente o que é o homem”, declara Sandra.Pedro Pontual, ex-aluno do Vocacional, lembra do papel dos estudos do meio na relação com as cidades nas quais os Ginásios estavam inseridos. “Mais que se situar numa comunidade, a escola deve saber dialogar com essa comunidade e isso os Vocacionais sabiam”. Pontual usa como exemplo visitas realizadas à fábricas, nas quais patrões e empregados eram entrevistados pelos estudantes, interagindo no processo de aprendizado. Cita ainda Paulo Freire ao lembrar dessa experiência. “Havia uma politicidade inerente à prática educativa”. Foi essa politicidade que levou os militares a afirmar que o “problema” dos estudos do meio residia na explicitação da luta de classes que eles geravam. “Os militares achavam que os estudos estavam preparando os alunos para a guerrilha urbana”, completa Moacyr. Escola como lugar de transcendência O projeto do SEV pretendia afastar o aluno da experiência individual e contextualizada através de reflexão, análise e planejamento, segundo Marta Kohl. Isso passava pelo desenvolvimento de consciência sobre a própria proposta pedagógica por parte dos estudantes. Para Marta isso criava um “descolamento do indivíduo daquilo em que ele está imerso”, levando-o a pensar o mundo além. Newton Balzan desenvolve a idéia, acreditando que esse processo se dava através do trabalho conjunto de educadores e estudantes. “Eram professores e alunos procurando respostas para problemas artísticos, científicos, culturais, políticos”.As relações inter-pessoais tiveram uma importância que se tornou determinante dentro dos Ginásios. Desde o projeto de escola em tempo integral, reunindo os alunos durante as refeições e festas, passando por trabalhos em equipe, estudos em grupo e ações vocacionais, a proposta sempre buscava na convivência, os caminhos para o aprendizado. Marta acredita que isso contribuía de maneira decisiva na integração do educando com o projeto pedagógico. “Tudo isso alargava a relação do aluno com a proposta educativa”.Para além dessas dinâmicas, a coordenação do SEV considerava fundamental a participação dos estudantes nas discussões sobre os projetos de planejamento e avaliações. Maria Cristina Videira, outra ex-aluna do vocacional, destaca o papel relevante que a auto-avaliação exercia na construção sócio-psicológica dos educandos. “A auto-avaliação não pesava, ela valorizava a responsabilidade de olhar para você”.Ary Jacobucci, também ex-aluno e autor do livro “Revolucionou e Acabou?”, que faz um breve resgate do Ginásio Vocacional de Americana, reforça o papel de destaque do processo de auto-avaliação, relacionando-o com a tomada de uma postura auto-crítica por parte dos alunos. “O processo desenvolvia em nós a honestidade de se auto-avaliar”. Complementava essa proposta o ideal de que o acompanhamento continuado era a melhor forma de se observar o desenvolvimento do estudante. “Importava como você evoluía”, é o que diz Paulo Martins, presidente da Associação dos Ex-alunos e Amigos do Vocacional.Na concepção de Lucila Bechara, a auto-avaliação se insere numa série de posturas que permitiram aos Ginásios Vocacionais serem uma experiência inovadora. “Com a auto-avaliação o aluno ia tomando conhecimento de si mesmo”. Proposta político-pedagógica Outra característica apontada por Lucila é o posicionamento dos professores diante do aprender, diferenciado do ensino tradicional. “É um choque de culturas”. Pedro Pontual acredita que esse choque se deve à gestão democrática do ensino praticada no SEV. Alunos e funcionários participavam das discussões junto aos professores, e todos se empenhavam em “trabalhar incansavelmente a qualidade do ensino”. Pontual destaca dentro dessa proposta o respeito ao saber dos educandos, o saber da experiência feita, a educação inclusiva, potencializadora de diversidades e o entendimento da dimensão política do aprendizado, encontrando eco nas formulações de Paulo Freire. “Tanto na experiência dos vocacionais quanto na obra de Paulo Freire há uma relação indissociável na proposta pedagógica e política”.Essa relação acabou por ser um fator determinante na extinção do SEV. Sandra Lunardi destaca que durante sua existência o Vocacional enfrentou nove secretários da educação diferentes. No processo, sempre a tentativa de distanciar a discussão e reflexão política da prática educacional. “Separar aspectos pedagógicos dos políticos é muito mais que ser arbitrário, é cometer injustiça” aponta Sandra. “Uma inovação educacional para ser substantiva”, finaliza Pedro Pontual, “deve ter uma plataforma político-pedagógica”.De acordo com Sandra, a integração entre aspectos pedagógicos e políticos passava por aspectos fundamentais do currículo dos Vocacionais. Mais do que pensar politicamente, a proposta buscava suscitar uma visão antropológica da cultura, organizada num grande tema, o brasileiro no mundo. É aí que entram novamente os estudos do meio como forma privilegiada de aprendizado. “A cada novo conhecimento o aluno retomava a repercussão daquilo na cidade, no país, no continente”. Pensar o futuro Pedro Pontual lança a pergunta: que educação se quer para esse país? Para ele, a política neoliberal aplicada às políticas pedagógicas durante toda década de 90 trouxe sérios problemas para o ensino brasileiro. Newton é sucinto na resposta à questão: a solução para hoje continua sendo o Vocacional. “A escola atual é uma escola nojenta, feia. No Vocacional tínhamos melhores condições. Nós não dávamos aulas. Nós trabalhávamos com os alunos”.Todos que passaram pela experiência do Vocacional destacam a importância desse trabalho coletivo. Moacyr lembra a participação da comunidade, dos pais dos alunos, nos rumos dos Ginásios. Essa proposta vai ao encontro, novamente, do ideal de Paulo Freire de uma escola progressista que se apresenta como um centro aberto para a comunidade.Observando a experiência quatro décadas depois, Olga Bechara afirma que o Ginásio Vocacional se constituiu como “uma escola de ensino geral com potencialidades para o trabalho” que levava em conta as expectativas e aspirações das famílias. Dentre suas propostas, eram ministradas aulas de práticas comerciais, artes industriais, artes plásticas, direcionando os alunos para os ramos em que apresentassem maior interesse e aptidão.Para Esméria Rovai fica a lembrança de um tempo de intenso trabalho em grupo. “Hoje não existe mais aquela coisa do projeto coletivo que tinha naquela época”, recorda. Quando questionada sobre as potencialidades do Vocacional hoje, ela é enfática quan do diz que acredita que sua proposta pedagógica continua válida, mas frisa que “Não é para ser repetida, mas adaptada para os tempos atuais”.Paulo Ângelo Martins também acredita nas potencialidades do Vocacional nos dias de hoje. “No SEV nós vemos um projeto pedagógico que funcionou”, reflete. “É um projeto ainda possível no Brasil. Nós temos a experiência do que aconteceu”. EXTRAIDO D0 SITE DA GVIVE.

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