sábado, 23 de outubro de 2010

OS COLÉGIOS VOCACIONAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO OU

OS COLÉGIOS VOCACIONAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO OU
QUINZE ANOS DE SEPULTURA

Maria Nilde Mascellani
Outubro/1984.

Depois de 15 anos da extinção dos Colégios Vocacionais eles ressurgem na memória de muitos educadores, na busca de explicações entre pesquisadores e na ânsia de informações entre estudantes secundaristas e universitários.
Experiência controvertida... Por ela passaram mais de 8000 alunos, 400 professores (com mais de 2 anos de permanência), 7000 professores em situação de treinamento e estágio, funcionários técnicos, burocráticos e braçais além das famílias de alunos e membros da comunidade. Segundo os professores Antonio Cândido de Mello e Souza e Lauro de Oliveira Lima (Revista Visão, janeiro/1970 – “Ensino Vocacional: Renovação ou Revolução?”) foi a experiência mais significativa na educação pública brasileira até aquela década.
Extinta em junho de 1969 pela repressão policial-militar que a caracterizou de subversiva e contrária aos interesses da segurança nacional, criou a partir daí um novo capítulo de sua própria história: o penoso Inquérito Policial-Militar que durou de 1970 a 1973 envolvendo alunos, professores, funcionários e até mesmo pais. Hoje dele se fala como se já tivesse ocorrido há muito tempo. Em nenhum lugar a não ser nos arquivos dos órgãos de segurança, ficaram registradas as marcas daqueles dias e daquelas noites (quase 4 anos) de prisões, interrogatórios intermináveis, torturas, devassas nas escolas e nas casas particulares, punições arbitrárias executadas com o objetivo não mais de destruir a experiência (pois ela já havia sido declarada “legalmente” extinta) mas de destruir as lideranças, de calar as vozes e paralisar as mãos.
E esta experiência, segundo a afirmação de um religioso amigo, funcionou como a diáspora dos tempos apostólicos do início do cristianismo.
Aparentemente morta, está na vida de todos quantos por ela passaram, bem ou mal sucedidos. Para alguns a marca profunda da descoberta de uma nova educação, de uma resposta coerente e inventiva para as indagações da juventude brasileira. Para outros, a pedra de toque que testou com coragem as raízes do conservadorismo e outros “ismos” que será preferível não comentar. Objeto de amor para tantos jovens, professores e famílias que dela puderam sugar em profundidade sua filosofia. Objeto de ódio para aqueles que por ela foram caracterizados como o joio da educação e da cultura. Ervas daninhas que floresceram no caldo suculento da ditadura, do autoritarismo, alimentando todas as expressões de seu oportunismo.
Se nos dias atuais assistimos o ressurgimento das idéias e dos ideais contidos na experiência dos Colégios Vocacionais da rede pública do Estado de São Paulo, de outro assistimos com tristeza o espetáculo camaleônico de transformação de figuras medíocres e autoritárias em “autoridades constituídas” das repartições públicas da educação neste mesmo Estado. Certamente, contradições de um período de governo democrático que convive com o ranço do antigo regime, por sinal ainda presente no Governo Central.
Animador para todos os educadores é andar por São Paulo e pelo Brasil e sentir como a experiência ressurge na vida profissional dos que a viveram, na busca de contribuição para as formulações educacionais que hoje se fazem necessárias. E diante do marasmo que invade as mentes depois de um longo período de esvaziamento cultural muitos professores estão a refletir aquela experiência; para alguns ela deveria ser retomada, para outros deveria servir de quadro de inspiração para propostas atuais, para outros ela aparece como algo imaginário, fantástico e distante, para outros ainda, ela evidencia o quanto se perdeu em matéria de educação após o enrijecimento político de 1968.
Os Ginásios e Colégios Vocacionais foram transformados no início dos anos 70 em Ginásios Comuns. E nunca o nome foi tão próprio. Eles se tornaram escolas comuns ao sistema vigente. E tal foi o nível de comunhão entre eles e o sistema que a educação que neles vem se realizando, foi de nível bastante inferior ao das escolas comuns da antiga rede. A ordem estabelecida não permitiu que ficasse “pedra sobre pedra”. Visitamos o Colégio Oswaldo Aranha do Brooklin e algumas das cidades do interior onde funcionavam Ginásios Vocacionais. O que se observa na paisagem, no espaço físico, encontra um correspondente nas mentalidades dos educadores que os assumiram. Os jardins e espaços livres foram substituídos por muros e estacionamento de carros; as janelas abertas, por grades com cadeados; as salas de trabalho, por grandes depósitos de equipamentos quebrados. Um dos Ginásios do Interior, apesar da elevada demanda de alunos na cidade, é em grande parte um depósito de coisas velhas da Prefeitura. O que dizer então das mentes? Para que nada ressurgisse neste tempo quase passado se adotou uma “pedagogia funerária”. Era necessário que todos enterrassem qualquer lembrança do que nestes espaços se viveu.
Estamos agora no tempo de ressuscitar aqueles capítulos da história da educação. Há uma efervescência entre professores e estudantes na busca do novo ou do necessário. É sempre surpreendente para auditórios estudantis ou de magistério descobrir ou saber de algo mais a respeito desta controvertida experiência. Sente-se um desejar ter vivido aqueles momentos; sente-se também a vontade de construir algo semelhante. Muitos têm nos procurado para debates mais aprofundados sobre a questão educacional hoje e dentre eles alguns estão assumindo a árdua tarefa de ajudar a resgatar esta memória. Há os que pretendem elaborar teses de pós-graduação universitária a partir de questões suscitadas pela experiência dos Colégios Vocacionais da rede publica.
Fica porém para todos nós a grande responsabilidade de registro e divulgação da experiência na sua totalidade. Mesmo com as imensas dificuldades por não se ter materiais documentais, pois a maioria deles foi retirada dos ginásios na violenta invasão que sofreram no dia 12 de dezembro de 1969 por parte da Polícia e do Exército. Não contentes começaram a levar o que encontraram nas devassas que faziam em muitas de nossas casas.
Mas o que os policiais e os militares talvez não saibam é que a verdadeira História não morre. Ela está dentro de cada um que a viveu e será publicada um dia, para que os jovens das novas gerações saibam o que já se fez, saibam que neste País alguns educadores já deram muito de suas vidas por um Brasil livre. E alguns ainda vivos cantam em coro a defesa de seus ideais, o canto da libertação educacional – “Sete vidas eu tivesse, sete vidas eu daria...”

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Artigo publicado no número especial de comemoração de 100 anos do jornal Diário Popular – “Um século de lutas pela liberdade” – de 08 de novembro de 1984, p. 52.

Um comentário:

  1. É primordial que os professores de hoje exerçam a profissão por anor, já houve muito sofrimento. Nossas crianças merecem uma educação de qualidade e que ensine a ser gente!
    Me senti totalmente sensibilizada com este texto, me formei este ano em pedagogia e fiz o meu TCC sobre uma escola pública, gratuita e realmente para todos.

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