domingo, 29 de junho de 2008

Release de Maria Nilde Mascellani – Lida na inauguração do Ciep em Americana que levou seu nome- 11 agosto 2007 . Prefeito. Eric


Principal figura ligada aos Ginásios Vocacionais, a professora e pedagoga Maria Nilde Mascellani nasceu em São Paulo a 03 de abril de 1931.
Filha do dentista Dr Tito Mascellani, descendente de imigrantes italianos, e da dona-de-casa Margarida Swoboda Mascellani, de origem austríaca, Maria Nilde tinha mais três irmãos. Estudou a partir da 2ª série ginasial, atual 6º série, na Escola Estadual Padre Anchieta no Brás, bairro onde a família morava.
Foi na adolescência que os primeiros sinais da doença que a acompanharia durante toda a sua vida se manifestaram. Vítima de reumatismo deformante, quando adulta caminhava com dificuldade, sentia muitas dores e só suportava as crises a base de analgésicos. Essa terrível enfermidade, no entanto, não impediu que Maria Nilde dedicasse toda sua energia para o problema da educação e suas alternativas, tornando-se uma das maiores educadoras que o Brasil já teve.

Concluído o ginásio, seguiu o Curso Normal (Curso de Formação de Professores) na mesma escola, o Padre Anchieta. No ano de sua formatura como professora primária, ingressou no curso de Pedagogia da Universidade de São Paulo. Foi aluna e depois se tornou muito amiga do professor Florestan Fernandes, seu mestre e inspirador.
Como professora de Educação, lecionou em escolas públicas do Estado. Foi trabalhar no Instituto de Educação da pequena cidade paulista de Socorro, e em 1959, faz parte da equipe das Classes Experimentais de Socorro que, fundamentadas na linha pedagógica da Escola de Sévres (França), viriam a ser a semente do Sistema de Ensino Vocacional.

Luciano Carvalho, secretário da Educação do Estado de São Paulo na época, formou uma comissão de educadores para elaborar um projeto piloto de educação que levasse em conta a vocação do aluno e abrisse as portas da escola para a comunidade e suas aspirações. Maria Nilde Mascellani foi um dos nomes chamados para fazer parte da montagem do S.E.V. (Serviço de Ensino Vocacional) e após sua criação em 1961, tornou-se sua coordenadora, ficando no cargo até o ano de sua extinção, em 1969.

O S.E.V. constituiu-se como um órgão especializado, diretamente subordinado ao Gabinete do Secretário da Educação do Estado. Foram instaladas seis unidades em todo Estado. A unidade da capital começou a funcionar em 1962, bem como as unidades da cidade de Americana (zona industrializada) e Batatais (zona agrícola). Em 1963, instalaram-se as unidades de Rio Claro (centro ferroviário), Barretos (zona agropecuária) e, em 1968, entrou em funcionamento a unidade de São Caetano do Sul. Todas ofereciam o então 1º ciclo do ensino secundário (de quatro anos) em período integral. A partir de 1967, instalou-se na unidade da capital, Oswaldo Aranha,o ensino médio de 2º grau e o curso noturno que atendia aos jovens trabalhadores do bairro com escolaridade tardia. Nos seus oito anos de existência, as Escolas Vocacionais desenvolveram-se em termos estrutural-administrativos e conceituais.

Os Ginásios Vocacionais continham uma proposta pedagógica revolucionária que utilizava estratégias de integração curricular, como os estudos do meio e os projetos de intervenção na comunidade e planejamento curricular através da pesquisa junto à comunidade. Na construção do currículo, procurava-se trazer a realidade social para o interior da escola.Os GVs foram definidos como escolas comunitárias instaladas a partir de sondagens das características culturais e socioeconômicas da localidade. Procuravam executar programas de interesses comuns com outras instituições, particularmente outras escolas primárias e secundárias. Suas linhas diretrizes na condução da prática pedagógica eram a apreensão integrada do conhecimento, o valor do trabalho em grupo, o desenvolvimento de condições de maturidade intelectual e social, o exercício consciente do trabalho, a definição de opções de estudo e ocupações, a disposição para atuação no próprio meio e a descoberta da responsabilidade social.
A área de maior peso era a de Estudos Sociais, que incluía noções de História, Geografia, Economia, Sociologia e Antropologia. Uma ou outra dessas disciplinas poderia ser explorada mais profundamente, dependendo da unidade em estudo. A partir dos Estudos Sociais desenvolvia-se um sistema de relações com as demais áreas: Português, Matemática, Ciências, Física, Biologia, Economia Doméstica, Artes Industriais, Práticas Comerciais e Agrícolas, Artes Plásticas e Educação Musical e, conforme o tipo de situação-problema, seriam obtidos diferentes esquemas integratórios.
Esse currículo integrado exigia, para sua execução, a ação articulada de professores, funcionários e demais técnicos.
O processo de avaliação nessas escolas também era considerado inovador: substituía as notas por conceitos. Os alunos se auto-avaliavam em relação aos objetivos, aos métodos e estratégias, conteúdos e atitudes. Atribuíam a seu próprio desempenho um conceito que era levado aos Conselhos de Classe e aí eram discutidos.

Implantada em um momento de intenso debate político e desenvolvida em grande parte sob o regime militar, a experiência do Serviço de Ensino Vocacional foi constantemente objeto de controvérsias, sabotagens e, por fim de aberta repressão. Maria Nilde sofreu muitas pressões como coordenadora do S.E.V. Em 1965, por exemplo, no governo Adhemar de Barros, o S.E.V. recebia inúmeros pedidos de contratação de professores e técnicos e de vagas para alunos que não tinham passado pelo processo de seleção. Diante da resistência em atender esses pedidos, o S.E.V. começou a receber ameaças de corte de verbas e de demissões de funcionários não comissionados. A primeira grande crise, conhecida dentro do S.E.V. como a “crise de 65”, aconteceu diante da negativa de matricular um candidato a aluno que era filho de um funcionário de confiança do secretário de Educação, e que não tinha passado no processo de seleção no Oswaldo Aranha. Esta atitude causou o afastamento de Maria Nilde da coordenação do S.E.V e da diretora administrativa do Ginásio Vocacional Oswaldo Aranha.
Esta intervenção mobilizou todos os professores e funcionários da rede de Ensino Vocacional e das Associações de Pais e Amigos do Vocacional, órgãos de representação dos pais de alunos que tinham grande envolvimento com a escola.
Houve muita mobilização, assembléias na capital e no interior. O envolvimento de pais, professores, pessoas representativas da comunidade e com a grande imprensa dando cobertura ao movimento, fez com que o governo voltasse atrás e reconduzisse, através de um decreto, Maria Nilde ao cargo de coordenadora e nomeasse Joel Martins e Lygia Furquim Sim como diretores do Oswaldo Aranha.
As crises continuaram a acontecer e o S.E.V. continuou a sofrer pressões principalmente na área do Orçamento e Pessoal até o fim, em 1969.

O último período de vida do Ensino Vocacional coincidiu com o endurecimento do regime ditatorial. Com a criação do Ato lnstitucional n° 5, o governo adquiria armas para reprimir as liberdades democráticas. No Ensino Vocacional isso significou a prisão de orientadores, professores e alunos, e a invasão policial-militar em ação conjugada para todos os Ginásios Vocacionais no dia 12 de dezembro de 1969. Vários professores e funcionários foram detidos. Em janeiro de 1970, Maria Nilde foi aposentada com base no AI-5.

Impedida de trabalhar pela ditadura, Maria Nilde, juntamente com alguns ex-companheiros de serviço público, também perseguidos pelo regime militar, criou a Equipe RENOV, entidade de assessoria, projetos, pesquisa e plane­jamento de ação comunitária e educacional, com atuação na defesa dos direitos humanos e dos per­seguidos políticos do regime militar. O RENOV (Relações Educacionais e do Trabalho), foi a alternativa encontrada para, a partir da área privada, continuar formando educadores, jovens de grupos populares e outros. Em janeiro de 74, o RENOV foi invadido por policiais militares e Maria Nilde e seus companheiros foram presos por cerca de um mês.

Levada para o SEDES pela psicóloga Lélia Vizanni, sua amiga desde a juventude, Maria Nilde logo abriu seu espaço dentro da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Criou um centro educacional e se tornou professora de psicologia educacional. Professora da PUC a partir de 1970, orientou teses de inúmeros alunos, deixando para segundo plano, a sua própria tese de doutorado. Em toda a sua carreira como pedagoga, trabalhou com Educação Popular em programas educacionais, formais ou informais, para a população de baixa renda excluída da escola. Colaborava com os programas educacionais da CNBB desde 62. A partir de 1972, esta colaboração se dá por intermédio do RENOV. Neste mesmo ano, implantou um programa para mulheres de baixa renda na Favela Buraco Quente junto à paróquia Nossa Senhora do Guadalupe, no Campo Belo, e prestou assessoria ao projeto Educacional junto a Favela do Jaguaré, também na capital.

Em 1995, a Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM/CUT) procurou algumas instituições de ensino e pesquisa (PUC-SP, UFRJ, UNICAMP, CEFET-SP) para estabelecer uma parceria com o objetivo de estruturar, inicialmente no âmbito estadual e posteriormente no nacional, um amplo projeto de qualificação profissional para metalúrgicos e ex-metalúrgicos, Era o projeto INTEGRAR. A principal idealizadora deste programa foi a professora Maria Nilde Mascellani (PUC-SP). Ela conseguiu reunir sindicalistas, intelectuais, professores e trabalhadores e juntos, montaram um currículo formado por disciplinas básicas e técnicas que estavam relacionadas à experiência dos alunos (o saber acumulado) e à comunidade da qual faziam parte. Nestes anos todos, foram realizados vários cursos para trabalhadores desempregados, empregados e dirigentes sindicais sempre articulando o diálogo entre o mundo do trabalho, a certificação em nível de ensino fundamental, médio e de extensão e a ação concreta para a transformação social.

Maria Nilde não se casou e nem teve filhos. Em 19 de dezembro de 1999, vítima de um infarto fulminante, morreu aos 68 anos em São Paulo, interrompendo uma trajetória marcada pela honestidade intelectual, sensibilidade aos pro­blemas do ensino e coragem. Finalmente, acabara de defender na Faculdade de Educação da USP, no dia nove do mesmo mês, sua tese de doutorado Uma Pedagogia para o Trabalhador: o Ensino Vocacional como base para uma proposta pedagógica de capacitação profissional de trabalhadores desempregados (Programa Integrar CNM/CUT), que versava sobre duas de suas realizações: o Ensino Vocacional e a Pedagogia do Programa Inte­grar, da Confederação Nacional dos Metalúrgicos.
O trabalho de Maria Nilde faz parte da história da educação brasileira desde os anos 60 e sua proposta de ensino vocacional como base da capacitação de trabalhadores, realizada no projeto Integrar, resgata uma dívida social sem ter assumido uma forma assistencialista.

Biografias

Biografia da Profa. Maria Nilde Mascelani :

Nascimento : 02/ 04 / 1931
Faleceu em São Paulo em 19 de dezembro de 1999, vítima de um infarte, aos 68 anos, em São Paulo.

Formação: Professora -Escola Normal Padre Anchieta, em São Paulo.
Pedagogia Formada pela Universidade de São Paulo
Mestrado:: cfe Newton Balzan, que houve.
Doutorado, uns dez dias antes de morrer, em 1999 na USP

Histórico Cronológico
1. Maria Nilde estuda na Escola Normal Padre Anchieta, forma-se professora, vai fazer pedagogia na USP( em 1949).
Recém formada, presta concurso e se torna professora secundária, indo dar aulas em Socorro, onde a diretora havia acabado de voltar de Sevres e instala as classes experimentais, um embrião do Vocacional.
Maria Nilde, Olga Bechara, Lygia Forquin e o prof. Modesto(depois prof no Geva), fazem parte da equipe de instalação das Classes experimentais Obs: Sevres é reconhecido pela sua faculdade de Educação, grandes nomes da Educação Brasileira passaram por essa faculdade. Nos anos 60 existia um convenio entre a Secretária da Educação do estado e a Faculdade, havia bolsas e cerca de 10 educadores iam por ano fazer cursos . O vocacional tinha um acordo e em 69 iria enviar bolsistas, foi suspenso face a perseguição política. O supervisores do Voca tinham sido selecionados. O prof.Ângelo estava entre eles. Cida Schoenacker

Em 1961, parte da equipe das Classes Experimentais de Socorro, a convite do Secretário de Educação, participa da criação dos Ginásios Vocacionais. Olga Bechara vai trabalhar em Americana e Maria Nilde fica na equipe técnica de São Paulo coordenada pelo prof. Joel Martins. Com a saída do prof. Joel e Maria Nilde assume a coordenação do Serviço de Ensino Vocacional.
Início de 1970, acaba o Vocacional, Maria Nilde é enquadrada no ato institucional número 5 e aposentada, responde a inquéritos. Não sai do país.
Em 1970 constitui-se a Renov.
Em 1974, Ma. Nilde e outras pessoas relacionadas a ela, são presas. Ma. Nilde é presa e torturada.
De 1974 a 1986, dá aulas na PUC, é secretaria de Educação de Rio Claro, continua com atividades na Renov.
Em torno de 1990, é solicitada pela CNM/CUT a desenvolver o projeto Integrar, de pedagogia voltada para trabalhadores.
9 -Defende sua tese de doutorado baseada nesse trabalho, uns dez
dias antes de morrer, em 1999 (1931-1999). ( Informações da Cida e Ângelo.)
Faleceu em São Paulo em 19 de dezembro de 1999, vítima de um infarte.

Obs: Interrompendo um percurso marcado pela coragem, honestidade intelectual e sensibilidade aos problemas do ensino, Maria Nilde Mascellani faleceu em São Paulo em 19 de dezembro de 1999, vítima de um infarte. Acabara de defender o doutorado na USP, que versava sobre duas de suas realizações: o ensino vocacional e a pedagogia do Programa Integrar, da Confederação Nacional dos Metalúrgicos.


Biografia do Professor Joel Martins
São Paulo nasceu em 27/3/1920 e morreu a 2/05/93 em São Paulo Joel Martins nasceu em 27/3/1920 e morreu a 2/05/93 em São Paulo. Formou-se na Escola Normal Caetano de Campos. Graduou-se, Bacharel e Licenciado, em Pedagogia e em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Fez o Mestrado nos Estados Unidos da América do Norte entre 1949/1950 e doutorou-se em Psicologia da Educação entre 1951-1953 pela Universidade de São Paulo, fez pós-doutorado na Universidade de Michigan, Ann Arbor, nos Estados Unidos da América do Norte entre 1953-1954. Foi professor da Rede Pública do Estado de São Paulo. Assistente da Cadeira de Psicologia Educacional na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, integrou, em 1965, o grupo que criou os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais, tendo sido diretor de Pesquisas do Centro de São Paulo.Entre 1959 e 1961 assumiu importantes cargos em órgãos internacionais. Em 1959, o de especialista em currículo junto à UNESCO; em 1960 o de especialista em programas educacionais junto à OEA e por exercer esses cargos trouxe para o Brasil os fundamentos que viriam estruturar os Ginásios Vocacionais no Estado de São Paulo, experiência pioneira e de excepcional qualidade no ensino de 1º e 2º graus, interrompida pela Ditadura Militar( ).Na década de 60, já como professor da Universidade Católica de São Paulo, juntamente com sua direção, envolveu-se com o projeto da reforma universitária dessa Universidade. Esse projeto o acompanha até o final de sua vida, fato que revela o quanto estava comprometido com o desafio enfrentado. Em 1993, por ocasião de sua morte, ocupa o cargo de Reitor da PUC-SP e cria a oportunidade para a elaboração e realização do projeto "Universidade do Século XXI da PUC-SP". Entretanto, é importante dizer que o projeto primeiro, iniciado no começo dos anos sessentas foi interrompido por ocasião da promulgação do ATO-AI-5 em 1968. A essa época o Professor Joel já está envolvido com outro projeto, também de vanguarda para a educação superior neste país: o referente à Pós-Graduação. É o responsável pelo planejamento e implantação de inúmeros programas de Pós-Graduação no país mas dedicou-se mais especificamente aos programas de Pós-Graduação da PUC-SP, transformando-os num marco referencial entre os programas brasileiros.( ) Foi professor-visitante da Boilling Green University, dos Estados Unidos da América do Norte, a partir de 1968 até a época de sua morte onde, durante as férias escolares brasileiras, ministrou inúmeros cursos. Com esse vínculo abriu oportunidade de intercâmbio inter-universitário e de estágios para professores e estudantes brasileiros da Pós-Graduação.Recebeu muitas honrarias de entidades nacionais e internacionais, dentre as quais citamos: Certificate of Appreciation, do College of Education and Allied Professions da Boilling Green State University; o título de Professor Emérito recebido da Universidade Estadual de Campinas, Mérito de São Lucas recebido da Fundação São Paulo - Hospital Santa Lucinda, título de Professor Emérito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Orientou mais de cem dissertações de mestrado e teses de doutorado. Esteve presente a cerca de quinhentas bancas examinadoras( ). Por essa prática contribuiu de modo significativo com a formação e o aprimoramento de atitudes e valores éticos e científicos de gerações de pesquisadores que com ele estiveram. Na sua permanência na Pós-Graduação, destaca-se como um dos pesquisadores brasileiros mais crítico das ciências humanas, principalmente daquelas que tratam da educação. Nas décadas de 60 e 70 desenvolve estudos mais fundados nas questões postas e explicadas pelas teorias cognitivas como Bruner, Kholberg, mas já está a caminho de mudanças radicais quanto a sua concepção de ciência e, portanto, visão de mundo e de conhecimento. Avança na direção de estudos de obras de autores do Existencialismo e da Fenomenologia, como Kierkegaard, Husserl, Heidegger, Merleau-Ponty, Paul Ricoeur, sempre preocupado com a educação e com a psicologia da educação. Nessa direção, é extremamente criativo e corajoso. Abre espaço para pensar-se em rigor em abordagens qualitativas e, especificamente, na qualitativa-fenomenológica. Coroando esse esforço, incentiva a criação e atua como criador participante ativo da Sociedade de Estudos e Pesquisa Qualitativos.

sábado, 28 de junho de 2008

Dez anos sem uma escola inovadora

COLÉGIO VOCACIONAL- SP Dez anos sem uma escola inovadora ISTO É 26/12/1979 A polícia acabou com a experiência na pancadaria. Ângela Ziroldo Foi a mais importante experiência pedagógica brasileira, em nível médio. Começou em 1962 em São Paulo, Americana e Batatais, estendendo-se depois para Rio Claro, Barretos e São Caetano do Sul. Mais de 7 mil técnicos em educação passaram por estágios nestes colégios, aprendendo uma maneira nova de ver a educação. E mais de 5 mil alunos – desde os filhos da elite paulistana até os operário sem tecelagem de Americana ou do frigorífico da Anglo, em Barretos – passaram pelo processo educativo. No dia 12 de dezembro de 1969 policiais invadiram as seis escolas, prendendo professores e pais de alunos, decretando o fim dos colégios vocacionais. Dez anos depois fica fácil perceber por que a experiência foi esmagada. Dentro do panorama do ensino médio brasileiro, os colégios vocacionais eram uma verdadeira anomalia. Antes havia apenas dois tipos de colégios – os convencionais, que preparavam estudantes para carreiras liberais, e os técnicos, que encaminhavam as crianças de menor poder aquisitivo para o trabalho profissional. O vocacional surgiu para acabar com esse determinismo. Luciano Carvalho, Secretário da Educação do Estado de São Paulo na época, formou uma comissão de educadores para elaborar um projeto piloto de educação que levasse em conta a vocação do aluno e abrisse as portas da escola para a comunidade e suas aspirações. Maria Nilde Mascellani, pedagoga com dezenas de cursos de especialização que coordenara as “classes experimentais”, germe dos colégios vocacionais, em Socorro, pequena cidade do interior do Estado, foi convidada a participar e se tornaria a coordenadora do SEV (Serviço de Ensino Vocacional). Com pequenos recursos e profissionais especialmente preparados, surgiram então os vocacionais – uma escola diferente em tudo. Os alunos passavam o dia inteiro no colégio. Pela manhã se dedicavam às matérias obrigatórias e à tarde trabalhavam nas áreas de prática comerciais, economia doméstica e artes industriais, segundo sua escolha. Para isso as escolas eram dotadas de outros equipamentos que não os convencionais: galpões com tornos mecânicos, salas com máquinas de escrever, salas de música e artes plásticas. Currículo integrado. Mas o aspecto material não era o mais importante. Ao contrário dos colégios tradicionais, o currículo não era um amontoado de matérias sem ligação entre si. Havia uma integração curricular. Estudos sociais, que não se referia apenas história e geografia, mas utilizava conceitos de economia e antropologia, determinava um tema que era trabalhado em todas as outras áreas. Também se partia da realidade mais próxima do aluno, num processo evolutivo de aprendizagem. No 1º. ano estudavam-se a comunidade e a cidade onde viviam. Depois o estado, o país e finalmente o mundo. Tudo a partir de estudos do meio, quando os alunos em equipes faziam entrevistas em residências, casas comerciais, fábricas e clubes.“Parece incrível”, conta Armando Figueiredo de Oliveira Neto, 28 anos, aluno da segunda turma do vocacional em São Paulo, “no primeiro ano, para fazer o levantamento da comunidade, fomos descobrir como o IBGE trabalhava, como eram seus questionários”. Esta descoberta da comunidade – no caso, o Brooklin, onde ficava a escola em São Paulo – era reforçada na aula de português, por exemplo, com pesquisa de textos sobre o bairro, entrevistas com escritores que moravam ali. E todas as matérias tinham este sentido integrador. Quando os alunos partiam para estudar o Estado de São Paulo, havia o intercâmbio entre os alunos da capital e do interior. Literatura e impostos. Armando participou, na terceira série, de uma viagem a Minas Gerais. “Não era uma excursão. Antes de cada viagem discutiam-se os objetivos, tudo era cuidadosamente planejado pelos alunos e professores”, conta Armando. Em Belo Horizonte as equipes visitaram bibliotecas, bancos, centros de pesquisa, fazendo levantamentos sobre os mais diversos assuntos: impostos, ciência ou literatura. Depois de um programa intenso nas cidades históricas, na gruta de Maquine e na mina de Ouro Velho, História, arte, economia, geologia e antropologia – uma formação interdisciplinar era o resultado final desses vinte dias de estudo do meio. Como o curriculo fugia às regras, às vezes os alunos tinham duvidas sobre a espécie de formação que estavam recebendo. “Principalmente a partir da terceira série começavam a surgir muitas dúvidas entre nós”, conta Pedro Paulo Manus, assistente de juiz do Tribunal do Trabalho, diretor da Associação de Professores da PUC, aluno da primeira turma do colégio vocacional. “Quando meus irmãos que estudavam em outras escolas perguntavam quantos ossos têm o dedo mínimo, eu me sentia inseguro. Eu não havia aprendido isso e perguntava se conseguiria sair bem no colegial, que teria que ser feito em outra escola.” Os alunos do vocacional realmente dispunham de um número menor de informações que os alunos das escolas convencionais. Pedro Paulo Manus descobriu, entretanto,que isso não era um grande obstáculo. Quando entrou para o curso clássico no Colégio Alberto Conti, apesar de dispor de menores informações que os outros alunos, ele sabia onde procurá-las. Tinha um instrumental de pesquisa, de solução de problemas de que os outros alunos só disporiam na universidade. Armando concorda com ele: “O método usado no vocacional era socrático, onde se aprende a partir dos problemas. Havia um nível de discussão que eu jamais encontrei em nenhuma escola. Nós não éramos preparados para entrar na universidade. Eles nos preparavam para a vida”. Contra o autoritarismo Na sala de aula o professor não era um rei, senhor absoluto de todo o saber. Ele podia ser contestado e era com muita freqüência. Não havia autoritarismo, tudo era resolvido através de discussão e cultivava-se o trabalho de equipe eliminando a competição individual e o culto do melhor aluno. O vocacional não se propunha fazer a avaliação apenas das habilidades mentais do aluno, mas de suas aptidões gerais. Além disso havia auto avaliação e a avaliação pelo grupo. Isso levava os alunos do vocacional a formarem critérios de valoração e julgamento, libertando-os do parecer do professor. A toda esta concepção de educação juntava-se o cuidado de também envolver os pais no processo educativo. Eles participavam intensamente do colégio vocacional em reuniões e assembléias. Foram também duramente atingidos quando a experiência foi esmagada. Ainda hoje, dez anos depois, o jornalista Armando Figueiredo, em São Paulo, fala com muita mágoa do fim do vocacional. Para ele, a experiência teve que ser extirpada porque uma escola que participava diretamente da vida da comunidade “não servia”. “Ela chocou tanto, com sua resposta inovadora, que foi logo promovida a célula comunista. Sem contar a reação do pessoal da Secretaria da Educação que desde o início se opôs ao projeto. Eles estavam preso sem seu imobilismo,acostumados a dar uma aulinha e ir embora.” Contra os padrinhos. Em 1965 a diretora do colégio vocacional em São Paulo não quis submeter-se a uma ordem do secretário da Educação de arrumar vaga para aluno que ele apadrinhava. Foi então afastada e todos os técnicos do vocacional colocaram seus cargos à disposição. A mobilização dos pais fez com que todos fossem reintegrados. Nos anos seguintes o vocacional encontraria novos rumos, dirigindo-se aos estados mais carentes da população. Em 1967 começaram os cursos colegiais e os ginásios noturnos, estes para alunos que trabalhavam. Neste momento a clientela do vocacional começou a mudar, principalmente em São Paulo, onde era, até então, muito procurado por uma elite. Depois surgiram os cursos experimentais, completamente abertos a comunidade. Nesses cursos, rotativos, com duração de três meses a um ano, ensinava-se aquilo que as pessoas quisessem aprender. “Foi uma loucura”, conta Maria Nilde Mascellani. “Em uma semana fomos procurados por mais de 1.500 candidatos que queriam aprender desde economia doméstica, desenho, contabilidade, alfabetização até manicure. Eram pessoas cuja idade variava de 14 a 40 anos,de baixa renda, que viam a sua primeira oportunidade de “educação. ”Esta experiência duraria apenas alguns meses. Em 1969 Maria Nilde foi afastada sem maiores explicações e a diretora do colégio vocacional de Americana foi descomissionada. Depois da invasão do dia 12 de dezembro, das prisões e interrogatórios, a Comissão Especial de Investigações conclui que, se a equipe do vocacional não era subversiva, o método era. Ovo Choco A experiência foi encerrada e os estabelecimentos se enquadraram dentro do padrão de escola pública, pobre e limitada. O medo tomou conta de tal forma que até mesmo os painéis pintados pelos alunos no colégio de Batatais, contando a história da cidade, foram raspados para que não restasse nenhum vestígio de criatividade e participação. Um operário do curso noturno, ao saber que não haveria mais curso, definiu bem a situação: “Bem que eu estava desconfiando de que era demais para continuar. Pobre, quando encontra um ovo, está choco”. Hoje Maria Nilde Mascellani acredita que o vocacional serviu para despertar os técnicos e professores para uma nova visão de educação. “Mas eu não retomaria essa experiência. Uma experiência exige clima de liberdade e tem que ser adequada ao momento histórico. Os novos tempos exigem novas experiências. Além disso, acho que nós evoluímos no sentido de perceber e descobrir novas dimensões e problemas de educação.” Sua proposta atualmente é um trabalho com caráter popular, ligado às organizações populares. Não que ela despreze a educação a nível institucional, ou não veja a validade dela. “Mas para isso seria necessário que nós voltássemos a uma democracia.”ISTOÉ 26/12/1979